segunda-feira, 2 de junho de 2008

Rompendo a conspiração do silêncio

Durante a pesquisa, ela teve de trocar três vezes o número de seu telefone, por causa dos grampos (escuta clandestina) e das intimidações. Se o fato de ser filha de um oficial das Forças Armadas contribuiu, como ela própria reconhece, para que tivesse acesso a documentos inéditos guardados por militares há mais de trinta anos, também provocou, entre oficiais saudosos da linha-dura, desconfiança, animosidade e até ameaça explícita. Por isso, resume, teve acesso aos relatórios secretos, mas não, de forma irrestrita, aos militares.
“Houve general que, procurado, disse que não falava com ‘esse tipo de gente’. Lembraram-me que, em outro momento, eu jamais faria esse tipo de pesquisa impunemente. Também não entendiam como eu, filha de um oficial, podia estar a favor deles, dos comunistas,”, disse-me ontem a jornalista e pesquisadora Taís Morais, que está em Belém para lançar, exatamente um mês depois de ter sido lançado em Brasília, onde mora, o livro Operação Araguaia: Os Arquivos Secretos da Guerrilha (Geração Editorial, 656 páginas, R$ 59), escrito em co-autoria com o jornalista Eumano Silva, do Correio Braziliense, que em 2003 ganhou o Prêmio Esso Regional por reportagens feitas com base nos primeiros documentos sobre a guerrilha que a pesquisadora repassou ao jornal.
As dificuldades enfrentadas por Taís revelam o quanto a Guerrilha do Araguaia – travada no coração das trevas em versão amazônica, em que milhares de soldados, comandados por generais experientes, armados de metralhadoras e cobertura de helicópteros, levaram três anos para liquidar o foco guerrilheiro organizado pelo Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, reunindo um grupo de menos de 100 combatentes, a maioria jovem, despreparada e armada com mosquetões e revólveres velhos – permanece como um assunto tabu entre os militares, mais de trinta anos depois de derrotada a guerrilha, em 1974.
O pacto de silêncio guardado por setores da repressão se deve ao fato de que as Forças Armadas, diz Taís, negam-se a assumir a responsabilidade pela violência cometida no Araguaia, com a prática de tortura contra esquerdistas e camponeses da região. “Ocorreram desmandos entre os militares, divergências entre os comandos, que geraram mortes, barbaridades.”
Essa (má) memória, observa Taís, permanece latente no epicentro do conflito, principalmente em torno de uma figura central do episódio, Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió. Símbolo da repressão contra o movimento armado do PCdoB (usava o codinome Doutor Luchini), Curió se tornou, depois da guerrilha, como representante do governo militar, o homem mais temido na área, impondo a lei do silêncio para os moradores em relação ao período de extermínio dos militantes do PCdoB. Fundou a cidade de Curionópolis e elegeu-se prefeito três vezes. Em 2004, ganhou mais um mandato. Das acusações de abuso no combate à guerrilha, argumenta que cumpria ordens superiores.
Mas o silêncio não é exclusividade dos militares. A esquerda está longe de ser loquaz sobre suas alianças e traições ou justiçamentos feitos pelos guerrilheiros, que fuzilaram moradores da região acusados de colaboração com o Exército. Por sua vez, nos desvãos desse mútuo mutismo, ainda há 58 desaparecidos à espera de identificação.
Os documentos revelados, a maior parte inédita, constituem, confirma Taís, “a espinha dorsal do livro”, sustentação da narrativa, que se lê com a fluência de um (bom) romance . Três dos sete anos da pesquisa foram consumidos na coleta de entrevistas e depoimentos de ex-guerrilheiros, parentes, militares e camponeses do Araguaia, a parte mais frágil que, inesperadamente, viu-se no centro de um palco, o da guerrilha.
Entre as principais revelações, estão as estratégias de operações planejadas pelas Forças Armadas, os nomes de seus comandantes, relação de mortos e feridos dos militares, depoimentos dos guerrilheiros presos, revelações obre traições feitas por militantes do PCdoB e documentos revelando conflitos internos sobre a continuidade da guerrilha. É também revelada a forma de como a repressão tomou conhecimento da reunião do Comitê Central do partido no bairro da Lapa, em São Paulo, quando foram presos seus principais dirigentes e fuzilados dois deles, Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Foram traídos por um membro do próprio Comitê, que os denunciou aos militares e continua vivo. Seu nome: Manoel Jover Telles.
Taís Morais autografa o livro logo mais, a partir das 18h30, no Núcleo de Arte da UFPA, na Praça da República.


eliaspintopa@uol.com.br

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Livro faz resgate do conflito do Araguaia

Data: 14-04-2005

Adriana Del Ré
Agência Estado

Produzido sigilosamente pelos jornalistas Taís Morais e Eumano Silva, o livro Operação Araguaia - Arquivos secretos da guerrilha (Geração Editorial, R$ 59, 656 págs.), lançado ontem em Brasília, vem com a promessa de mexer novamente em um vespeiro histórico, legado da ditadura militar no Brasil. Um vespeiro que envolveu uma guerrilha sangrenta, deflagrada no Pará pelas Forças Armadas e por militantes do PCdoB, na década de 70.
Numa tentativa de dar um passo além no caso (já investigado em outras reportagens e publicações) e contá-lo do início ao fim, os autores tiveram acesso a 112 documentos militares secretos, que vêm a público depois de mais 30 anos. A dupla se fixou neles para esclarecer pontos obscuros do conflito, com o reforço de fotos, algumas delas inéditas, tiradas por soldados, às escondidas.
"Eu queria entender como as Forças Armadas tinham chegado até os guerrilheiros", conta Taís. A resposta para essa questão veio com um documento confidencial sobre o depoimento de Pedro Albuquerque Neto, o primeiro guerrilheiro a ser preso, em 1972.
Ele fugira, com a mulher grávida, do centro de treinamento da guerrilha no lugarejo de Cigana, no Pará, e fora apanhado no Dops enquanto tentava tirar a segunda via da carteira de identidade. Torturado e mesmo trocando nomes de pessoas e regiões, acabou informando que o campo de treinamento ficava em Cigana, nas proximidades das cidades de São Geraldo e Xangrilá (na realidade, Xambioá). De posse das pistas, militares deram início à primeira de uma série de missões.
Outro fato inédito trazido à tona pelo livro é de que o gaúcho Manoel Jover Telles, do PCdoB (mas que não havia participado da guerrilha), revelou aos agentes da repressão a realização da reunião do partido, numa casa na Lapa. O local se tornaria cenário da chamada "chacina da Lapa", no dia 16 de dezembro de 1976. A morte de membros do partido pôs fim à retomada de uma nova luta armada.
Segundo documento, Telles havia sido preso no Rio, oito dias antes da chacina, no dia 8 de dezembro. O depoimento de Telles foi cordial: ele explicou as divergências dos dirigentes, se posicionou contra a guerra, fez críticas ao partido, entregou nomes e codinomes de todos. De volta a São Paulo, ele não disse aos camaradas sobre sua prisão no Rio. No dia 14 de dezembro, o general Carlos Xavier de Miranda escreveu ofício, comunicando uma operação urbana visando à detenção de militantes do PCdoB, na Lapa. No dia 16, ocorreram as execuções.
Filha de um oficial militar da reserva, Taís Morais contabiliza, ao todo, sete anos dedicados à obra, entre pesquisas, levantamento de documentos produzidos por militares e guerrilheiros, além de entrevistas com sobreviventes e parentes dos mortos.
Para os autores, a guerrilha do Araguaia não pode cair no esquecimento. "O governo militar se esforçou para apagar a Guerrilha do Araguaia da História. O Brasil vivia o período do "milagre econômico". Qualquer informação sobre o movimento armado na Amazônia tornaria a economia nacional ainda mais frágil", escreveu a dupla na introdução do livro.
Longe de ser um livro definitivo, os autores querem desvendar algumas lacunas ainda abertas, como o paradeiro dos corpos de militantes mortos no Pará. A esperança é que essas questões sejam esclarecidas nas próximas edições.

Notícias de uma guerra secreta

Livro de Taís Morais e Eumano Silva revela a história da maior guerrilha brasileira
João Paulo - O Estado de Minas

A Guerrilha do Araguaia é um dos episódios mais dramáticos e desconhecidos da história política brasileira recente. O confronto entre as Forças Armadas e os guerrilheiros ligados ao PC do B, nos anos 70, parecia ter como saldo o extermínio dos militantes e a destruição dos documentos. A primeira parte da história é verdadeira, a segunda começa a mudar com a publicação de Operação Araguaia, da pesquisadora Taís Morais e do jornalista Eumano Silva. O livro, de mais de 650 páginas, nasceu de uma série de reportagens do jornal Correio Braziliense.

O volume impressiona sob todos os ângulos. A pesquisa de Taís Morais, filha de militares, traz à luz centenas de páginas de relatórios, fotografias e outros documentos. O texto, construído como romance político, articula informações complexas, conseguindo o raro equilíbrio de seduzir como painel histórico da ditadura e retrato de personagens reais, em seus sonhos e tragédias. Por fim, há um grande número de revelações, como as estratégias das Forças Armadas, nomes de comandantes, confirmação do uso de napalm na Floresta Amazônica, fotografias feitas pelos próprios militares que combateram na região e documentos secretos do PC do B. Apenas um nome é mantido em sigilo.

"A contabilidade de menos de 100 jovens despreparados e armados com mosquetões e revólveres, enfrentando mais de 7 mil militares amparados por tecnologia de guerra, teve o resultado conhecido"

Do sonho de jovens universitários ao massacre do bairro da Lapa, em São Paulo, quando os dirigentes do partido, Pedro Pomar e Angelo Arroyo, são traídos por um membro do Comitê Central (que tem seu nome revelado no livro), Operação Araguaia traça uma história de ingenuidade, violência, tortura e erros políticos. A contabilidade de menos de 100 jovens despreparados e armados com mosquetões e revólveres, enfrentando mais de 7 mil militares amparados por tecnologia de guerra, teve o resultado conhecido. O que o livro revela é uma outra história, ao mesmo tempo objetiva e emocional.

A objetividade está em não tomar partido, dando a palavra aos personagens (dos dois lados do conflito) e aos documentos até então inéditos. A emoção está presente na sensação de inutilidade da perda de vidas de jovens idealistas que, motivados por erros de avaliação e excesso de confiança (inspirados na Revolução Cubana e na resistência do Vietnã), sucumbiram numa batalha cruel e desigual. Osvaldão, os irmãos Petit, Chicão, Elisa, Cristina, Sônia, Lia, Peri e tantos outros nem mesmo tiveram seus corpos entregues às famílias. É uma história que não acabou, mas que agora começa a ser contada de forma honesta.

Reportagem da Veja - João Gabriel de Lima


Vietnã na Amazônia

Operação Araguaia é o primeiro livro sobre
a guerrilha brasileira baseado em relatórios
militares. Ele mostra um combate ainda mais
violento do que se supunha

A guerrilha do Araguaia é um episódio militarmente pífio mas que adquiriu uma aura mítica na história recente do Brasil. A esquerda radical costuma citá-la como exemplo de heroísmo, em que militantes lutaram até o último homem, tendo o Exército sumido com os corpos de todos os que morreram em combate. Os militares, por seu turno, se orgulham de ter evitado a proliferação de grupos terroristas como os que durante tanto tempo infernizaram a vida de outras nações sul-americanas. Os livros publicados sobre o assunto em geral ficam no tom panfletário, em que os episódios são contados ao sabor da ideologia do autor. Não existe um relato oficial da supressão da guerrilha no Araguaia. Sucessivos governos vêm renovando o sigilo sobre os arquivos do período.

Operação Araguaia – Arquivos Secretos da Guerrilha (Geração Editorial; 636 páginas; 59 reais), escrito pelos jornalistas Eumano Silva e Taís Morais, é a primeira obra sobre o assunto calcada primordialmente em documentos. O livro é valioso. Ele se baseia em 1.167 páginas de relatórios militares coligidos por Taís, filha de um oficial do Exército, que se valeu de relações familiares para ter acesso aos papéis secretos, com o compromisso de preservar a identidade dos que os forneceram. Os autores complementaram o trabalho entrevistando vários dos envolvidos. Alguns poucos documentos incluídos no livro já haviam sido publicados no jornal Correio Braziliense, para o qual Eumano trabalha, mas a maioria é rigorosamente inédita e está sendo exibida em primeira mão nesta reportagem de VEJA. Em duas semanas, a íntegra dos relatórios e documentos feitos pelos militares brasileiros que combateram os guerrilheiros estará disponível na internet no site da editora (www.geracaobooks.com.br).

O livro questiona mitos, confirma suspeitas, mas, sobretudo, mostra que a luta foi mais encarniçada do que até hoje se supunha. Na virada dos anos 60 para os 70, parte da esquerda brasileira pegou em armas contra a ditadura militar. Mas só o Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, conseguiu estabelecer, de forma consistente, aquilo com que todos os grupos armados sonhavam: um movimento guerrilheiro no meio da selva. Desde seu nascimento, em 1962, quando o Brasil ainda era uma democracia, o PCdoB já planejava fazer uma revolução partindo do campo, com o intuito de instalar uma ditadura comunista no Brasil. Sobre os planos do PCdoB há farta documentação publicada anteriormente. De inédito, Operação Araguaia traz relatórios militares redigidos com base em textos oficiais do partido. Neles, o PCdoB fala das razões de ter escolhido a região do Araguaia para a operação, "adversa ao inimigo, criando imensas dificuldades à sua atividade militar", e com um terreno "que possui condições ideais para a utilização da tática de guerrilhas". Deixa clara a intenção de criar uma "zona liberada" e a organização de um "exército regular". Cita como modelos os movimentos guerrilheiros do Vietnã, da Malásia e de Angola. Parte dos guerrilheiros do partido foi treinada na China.

Em 1972 o PCdoB já havia assentado cerca de cinqüenta homens na região conhecida como Bico do Papagaio, na fronteira tríplice entre os estados do Maranhão, Pará e Tocantins. A movimentação dos guerrilheiros comunistas foi monitorada desde o início, mas o Exército, no princípio, não distinguia os militantes do PCdoB – que estavam lá desde 1966 e eram treinados em operações na floresta – dos integrantes esparsos de outras facções urbanas que haviam apenas se escondido na região sem um plano definido. A real intenção, o grau de preparo e o poder de fogo da guerrilha do PCdoB só ficaram mais claros para o Exército com um lento trabalho de espionagem e a colaboração de alguns guerrilheiros desertores.

Um documento inédito incluído no livro reforça uma das teses a respeito do assunto: a de que o Exército veio a saber da presença e da liderança do PCdoB na selva brasileira pela boca do guerrilheiro Pedro Albuquerque Neto. Casado com Tereza Cristina, também militante do partido, ele resolveu desertar quando a mulher ficou grávida – e o partido sugeriu a ela que fizesse um aborto. Os dois fugiram do acampamento em junho de 1971, levando parte do dinheiro da organização. Foram para Fortaleza. Pedro ficou lá, enquanto Tereza seguiu para a casa de parentes no Recife. O militante acabou preso em fevereiro de 1972. Torturado, revelou a existência de um movimento guerrilheiro organizado pelo PCdoB. Um resumo de seu depoimento foi enviado aos militares responsáveis pela Operação Cigana. Outro documento inédito faz referência à Operação Peixe, a primeira desencadeada contra a guerrilha. Achava-se que o Exército tinha iniciado suas diligências no Araguaia em meados de abril. A obra mostra que na verdade já havia soldados na região desde o fim de março. Esse é mais um indício de que o depoimento de Pedro desencadeou a operação.

No livro A Grande Mentira, de 2001, no qual o general do Exército Agnaldo Del Nero Augusto reconta a história do ponto de vista dos militares, aparece outro nome como o responsável por fornecer, posteriormente, informações detalhadas sobre a guerrilha: o de Geraldo, codinome do atual presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), José Genoíno. Escreveu o militar: "A prisão mais importante, ocorrida em 18 de abril (de 1972), foi a de Geraldo, que revelou a estrutura do PCdoB na área, fornecendo, também, a localização geral dos três destacamentos em que o partido estava organizado, bem como a constituição do seu próprio, que era o destacamento B". Operação Araguaia reproduz em livro pela primeira vez a íntegra dos depoimentos de Genoíno, nos quais o atual presidente do PT – que havia sido barbaramente torturado – realmente dá nomes de colegas, além de fornecer informações sobre a estrutura dos destacamentos, seus comandos e as armas que possuíam. "O que eu fiz não prejudicou ninguém. Meus companheiros tinham ordens para abandonar os locais onde estavam caso eu fosse preso, e isso efetivamente aconteceu", disse Genoíno a VEJA.

O episódio é polêmico por envolver Genoíno, um dos cardeais do PT e um de seus líderes mais sensatos e de inequívoca vocação democrática. O livro Operação Araguaia entra em contradição no que se refere ao papel de Genoíno. No capítulo em que a história é contada, está escrito que Genoíno deu apenas codinomes. Nos depoimentos publicados nos anexos, no entanto, lêem-se vários nomes reais com os respectivos sobrenomes, entre eles os de João Amazonas e Maurício Grabois, principais dirigentes do PCdoB, que chefiaram as operações num primeiro momento. "Todos sabiam os nomes de Amazonas e Grabois, e os nossos também eram conhecidos na região, uma vez que muitos guerrilheiros haviam comprado propriedades usando a carteira de identidade verdadeira", esclarece Genoíno. A verdade é que não existe nenhum documento que comprove que algum integrante da guerrilha tenha sido preso em decorrência de informações obtidas pelos militares dos depoimentos de Genoíno.


O Exército fez três campanhas no Araguaia. Nas duas primeiras, os melhores resultados foram obtidos na área de inteligência. Apenas na terceira ofensiva, iniciada no fim de 1973 com o uso intensivo de pára-quedistas e outras tropas de elite, conseguiu exterminar o inimigo. Foi uma operação de guerra que visava a matar os insurgentes. Fazer prisioneiros não era prioridade. Os corpos de 59 militantes do PCdoB estão desaparecidos até hoje. Um dos documentos mais impressionantes contidos no livro é o relatório da Operação Marajoara, realizada na terceira campanha, que traz duas revelações. A primeira é o relato de integrantes do PCdoB que se entregaram e, mesmo tendo se rendido, não mais apareceram vivos ou mortos. O relato da Operação Marajoara deixa claro que houve execuções ou mortes acidentais de guerrilheiros submetidos a interrogatório. Sobre isso não há muita novidade. Diversos depoimentos reproduzidos em outras obras dão conta dessa brutal faceta da guerra no Araguaia. O livro Operação Araguaia, no entanto, fornece uma prova documental.

Outro trecho interessante do relatório, que é de junho de 1974, é o que faz o balanço oficial do estado dos militantes da guerrilha naquele momento. Os depósitos de alimentos e medicamentos haviam sido destruídos, grande parte das armas tinha sido confiscada, vários dos militantes estavam doentes e parte deles começava a desertar. Ou seja, a guerrilha estava exangue. Mais adiante, no mesmo documento, os militares do Exército envolvidos na operação expressam sua disposição de persistir até a "eliminação total das forças guerrilheiras". Eles adiantam que "uma interrupção da Operação Marajoara, antes da destruição total do inimigo, poderá possibilitar seu ressurgimento, ainda com maior vigor e experiência". Do ponto de vista estritamente estratégico, não se pode discordar da análise dos militares. As guerrilhas comunistas em outros pontos da América Latina ressurgiram quando parecia que haviam sido totalmente desbaratadas. Não se pode esperar, também, que enfrentando guerrilheiros do Terceiro Mundo o Exército brasileiro pudesse agir como uma instituição militar do Primeiro Mundo. Mas tais circunstâncias incontornáveis não justificam a decisão de matar todos os inimigos e não fazer prisioneiros, como parece ter sido a determinação na terceira e decisiva fase do combate à insurgência comunista no Araguaia. O inglês John Keegan, um dos maiores historiadores militares da atualidade, diz em seu relato espetacular dos choques armados A History of Warfare (Uma História da Guerra) que nesses casos são comuns as hostilidades, mas "são também sempre uma afronta à honra militar".

Não existem provas de que houve uma decisão oficial do Exército de eliminar fisicamente todos os guerrilheiros. Sabe-se, de forma indireta, que houve desacordo interno sobre a questão. Vários militares que se pronunciaram recentemente sobre o assunto condenaram a solução radical e, de acordo com a autora Taís Morais, muitos dos que foram ouvidos por ela também repudiaram o desfecho. "Era uma decisão polêmica na corporação, e até hoje não se sabe exatamente de onde partiu a ordem", diz Taís. O relatório da Operação Marajoara incluído no livro leva o carimbo do Ministério do Exército. No livro A Ditadura Derrotada, o jornalista Elio Gaspari, ex-diretor adjunto de VEJA, reproduz uma frase do general Ernesto Geisel, em conversa sobre subversão com o general Dale Coutinho, em que ele diz: "Esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser". Um trecho de conversa entre generais é evidência insuficiente de que havia ordens superiores para eliminar os guerrilheiros, mesmo os que se rendessem. Evidência maior pode ser o fato de, até onde se sabe, nenhum militar ter sido punido por seus excessos no combate à guerrilha.

As famílias dos militantes do PCdoB que morreram no Araguaia foram indenizadas pelo Estado brasileiro. Um documento inédito revelado pelo novo livro é um relatório produzido pelo Ministério do Exército, datado de 1985, com uma lista de baixas do Exército durante a guerrilha. O levantamento contabiliza sete mortos e oito feridos. Os autores acreditam que houve mais baixas. Nem todas as famílias de militares foram indenizadas, pois a algumas se omitiu o fato de que seus parentes estavam em combate contra a guerrilha. Entre as cinco ouvidas pelos autores do livro, apenas duas haviam recebido indenização – uma terceira recorreu à Justiça civil e duas simplesmente não ganharam nada.

A primeira morte de militar, a do cabo Odílio da Cruz Rosa, é descrita em detalhes no livro, reconstituída por meio de entrevista com o tenente Nélio da Mata Rezende, que presenciou a cena. Odílio foi abatido com um tiro de espingarda na virilha, disparado provavelmente por Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão, um dos líderes da guerrilha. Os dois militares estavam no meio da floresta, a léguas do posto de saúde mais próximo, de forma que Odílio sangrou até morrer e seu corpo só foi resgatado dias mais tarde. O próprio Osvaldão seria morto por um tiro de espingarda, dois anos depois, disparado por Arlindo Piauí, um mateiro que servia de guia para os militares. Também sangrou até morrer. Seu corpo foi exibido pelo Exército em vários povoados da região para servir de exemplo. Os dois episódios servem para ilustrar a violência que reinou no Bico do Papagaio entre 1972 e 1974. Além de se embasar em farta documentação, Operação Araguaia tem o mérito do equilíbrio, prendendo-se aos fatos e evitando o tom panfletário. O defeito do livro é a ausência de notas de rodapé e de uma melhor contextualização dos documentos. Em busca de uma narrativa fluente, os autores preferiram dar ênfase à descrição das manobras militares e ao perfil dos personagens. O Brasil que emerge de Operação Araguaia é um país radicalizado cujos habitantes se matavam uns aos outros como se fossem talibãs. Esse país, felizmente, pertence ao passado.

COMUNISTAS TREINADOS NA CHINA

Entre as organizações de esquerda que participaram da luta armada, apenas o Partido Comunista do Brasil tinha capacidade militar para combater na selva. Alguns de seus integrantes haviam sido treinados na China. No trecho acima, explica-se que a escolha da selva para operações guerrilheiras havia dado bons resultados no Vietnã, na Malásia e em Angola


MILITANTE TORTURADO DENUNCIA O PCdoB

O guerrilheiro Pedro Albuquerque Neto desertou do Araguaia quando sua mulher, Tereza Cristina, ficou grávida e o PCdoB recomendou que ela fizesse um aborto. Os dois fugiram com parte do dinheiro da agremiação. Pedro foi preso em Fortaleza e revelou a existência do movimento organizado. O documento acima, da chamada Operação Cigana, mostra que o combate começou logo após o seu depoimento

ELIMINAÇÃO TOTAL DOS GUERRILHEIROS

Um relatório da Operação Marajoara, de 1974, uma das últimas de combate ao PCdoB, constatava que a guerrilha estava exangue. Mesmo assim, a decisão do Exército era persistir até a "eliminação total das forças guerrilheiras", conforme trecho acima. Não se sabe até hoje de quem partiu a ordem, polêmica mesmo dentro do Exército, que culminou na morte dos militantes e no sumiço de seus corpos


MILITARES MORTOS EM COMBATE

Até pouco tempo atrás não se sabia quantos militares haviam morrido na luta com a guerrilha. Um levantamento feito em 1985 contabiliza sete mortos e oito feridos. Os autores de Operação Araguaia contataram cinco famílias de militares que perderam parentes na operação. Dessas, apenas duas haviam recebido algum tipo de indenização do governo

O atual presidente do PT já recebeu acusações, à direita e à esquerda, de ter entregue companheiros do PCdoB. Operação Araguaia traz cópias de seus depoimentos à ditadura. Barbaramente torturado, Genoíno realmente deu nomes de militantes e revelou detalhes das operações. Ele alega que o que revelou não prejudicou ninguém, pois os guerrilheiros tinham ordem de se esconder caso um deles fosse preso. O fato é que não existe prova de que o Exército tenha prendido alguém baseado nas declarações do atual presidente petista.








Entrevista com Taís Morais em "O Liberal" - PA


Por que você teve a idéia de fazer uma pesquisa sobre este assunto?

Por causa do mistério. Não se falava nada sobre o caso, não se sabia nada, e por crescer em meio de militares eu não entendia porque não se falava disso.
Ser filha de pai militar foi benéfico ou prejudicial para a coleta de informações?

Comecei indo atrás dos documentos que a Márcia Bandeira, filha do General Bandeira, entregou para a jornal O Globo. Se ela pôde ter acesso, eu também poderia ver. A partir daí eles foram abrindo. Não adianta: você conhece uma fonte, que conhece outra, que te indica para outra. Se você não conhece alguém que ligue e te indique para outra fonte te receber, não adianta, ninguém te recebe. Acho que até esperavam que eu fosse panfletária para o lado deles, mas não puxei o saco de nenhum dos lados, até porque cada um quer fazer o seu marketing, mas os militares pouco falam sobre o livro, não houve nem retaliação. A minha principal fonte, quando me entregou a pasta do General Bandeiara, disse “leia, tire suas conclusões e depois me procure para a gente conversar”. Me senti bastante livre, e por isso o cerne do livro está nos documentos, não estou especulando nada. Muita gente de esquerda me criticou por ter usado como base documentos de militares, mas esses são os documentos que existem sobre essa história.

Entre esses documentos, o que mais impressionou você?

Sem dúvida, o último relatório de 1974, com informações sobre a Operação Marajoara, afirmando tudo o que é bárbaro nesta história: afirma que a guerrilha estava neutralizada, que não tinha armas suficientes e que, mesmo enfraquecidos, eles foram massacrados. O relatório data de janeiro de 1974, mas a guerrilha ainda vai até janeiro de 1975.

Você também abre espaço para falar sobre os jovens militares que acabaram morrendo na guerrilha ...

Apurei três histórias de militares - mas só entraram duas no livro - que eram parecidas. Nos três casos fala-se de corpos que chegaram em casa e que a família teve como informação apenas que eles morreram em serviço. As Forças Armadas não ajudaram essas famílias de jovens mortos, muitas não sabem nem que eles morreram no Araguaia. Algumas conseguiram, por meio da Justiça Civil, receber pelo menos o soldo para criar os filhos desses soldados mortos. Mas a família do Cabo Rosa (primeiro militar morto por guerrilheiros), por exemplo, nunca recebeu nada. As famílias de guerrilheiros mortos já receberam indenização. Não entendo a omissão do Estado com seu próprio contingente que morre “a serviço da pátria”.

E quanto à tão esperada abertura dos arquivos militares? Podem surgir daí mais informações ainda desconhecidas neste quebra-cabeças?

Documento sobre o caso não há mais, porque os documentos são de militares e estão todos no livro. Essa história de arquivo é mito, não vai se descobrir coisa ruim nele. Vou explicar: nunca vi documentos escritos que revelam “torturamos a vítima a noite inteira”, “batemos nele até a morte”, etc. Os documentos são para relatar ações de forma mais ampla.

Mas se os personagens ainda estão vivos, porque não se chega a uma versão definitiva dessa história?

Acredito que tenha havido mesmo uma conspiração do silêncio de ambas as partes. Primeiro porque, mesmo se a partir de ordens ou não, os militares não vão admitir que mataram os guerrilheiros. Mas hoje também acredito no silêncio da esquerda. Senão, por que os oito corpos que foram encontrados em Xambioá continuam sem identificação por parte do PC do B? Por que ninguém vai lá fazer o reconhecimento de fato? Há silêncio de ambos os lados. Os únicos que falam mesmo são os camponeses, que foram envolvidos sem saber do que se falava. Não sabiam o que era comunismo, subversão, guerrilha - e em muitos casos foram torturados para revelar quem eram os guerrilheiros, que para eles eram apenas o barqueiro, o dentista... Por que nenhuma família de camponês ou militar morto foi indenizada? Qual é o critério que dita que só os guerrilheiros merecem isso? Por que o Sebastião Curió (na época capitão do Exército e símbolo da repressão contra o movimento armado do PC do B) continua administrando a Serra Pelada, conseguiu construir uma cidade com seu nome (Curionópolis) e de onde se elegeu prefeito três vezes? Há alguns anos ele matou dois adolescentes em Brasília, mas nunca foi condenado por isso, e o Estado sabe de tudo o que ele faz: sabe que tem uma rede de pistoleiros e que comanda grupos de madereiros que acabam com a floresta. Por que o Estado e as Forças Armadas continuam fazendo vista grossa aos seus desmandos?

Em recente entrevista a O LIBERAL, Curió disse que Serra Pelada foi uma ação do governo militar contra uma ação terrorista da esquerda clerical, estratégia para organizar o povo sob o comando do Estado, e esvaziando qualquer tentativa de que outro movimento de esquerda pudesse voltar para a região. Você concorda?

Não, porque enquanto a guerrilha existiu ali, em 1970, 72, 74, a Serra Pelada foi construída na década de 80, quando já havia uma maior flexibilidade no sistema político e a esquerda estava impossibilitada de organizar qualquer movimento armado. Acho que foram outros interesses que motivaram isso, até porque tem camponês que não quis saber de ouro. Eles queriam saber de peixe, de terra para plantar e colher, de ter farinha na hora da refeição. Para eles, isso bastava. E você conhece algum garimpeiro que ficou efetivamente rico? Gostaria de saber por que aquela figura (Curió) foi parar lá. Há relatos de que saíam do garimpo caixas e caixas de ouro para a presidência da República, mas onde está a benfeitoria que esse ouro trouxe ao país?

Na sua análise, porque a guerrilha não conseguiu alcançar seus objetivos?

Acho que eles não estavam preparados. Para se ter uma idéia, quando a guerrilha estava estourando, ainda havia gente chegando. É engraçadíssimo o depoimento do Dagoberto, que chegou com o Chicão na região exatamente no dia que começou a guerrilha, em 1972. Ele diz que nunca tinha atirado. No momento em que o movimento é descoberto, o Exército tomou um pau.

Quando os guerrilheiros sentiram que tiveram uma trégua, se sentiram vitoriosos, com a guerra ganha. Ao invés de ir para uma área de refúgio, como é normal nesses casos, ficaram no mesmo lugar e deixaram o caminho livre para serem pegos. Sem contar que um grupo propôs essa retirada, mas outro decidiu ficar, e essa divergência de comando também desmobiliza.

Você teve informações sobre onde estão os corpos desaparecidos?

Isso é uma incógnita, mas há uma coisa que os militares falam que é real: se alguém morre em combate, não recolho porque senão viro alvo. Vou levar o meu amigo, mas não levo um corpo de inimigo, abandono lá. Isso pode ter mesmo acontecido. Outros que foram fuzilados na base estão em cemitérios com certeza, tanto que cinco já foram apontados por colonos no cemitério de Xambioá e outros foram encontrados na reserva Suruí-Sororó. Não tem porque discordar da população, que aponta mesmo onde viu os corpos sendo enterrados.

Com o livro você pretende que a Guerrilha do Araguaia seja mais conhecida pelo resto do país? Muitos têm a impressão de que esse assunto só é profundamente conhecido por quem fez parte dele ou para quem vive na região Norte, porque o resto do Brasil parece ignorá-lo.

Essa foi uma história mantida em silêncio. Poucos sabem que morreram aqui pessoas do Brasil todo, inclusive entre os militares. O livro foi feito com essa intenção, porque as pessoas precisam conhecer essa história. O jovem de hoje não sabe nada sobre a Guerrilha do Araguaia, pode perguntar para qualquer um. Soldados entram e saem do Exército sem saber. Os livros de hitória oficial utilizados nas escolas tratam superficialmente das guerrilhas urbanas, mas nada do Araguaia. Estou planejando propor às secretarias de educação dos três Estados mais envolvidos, Maranhão, Tocantins e Pará, para ver se os alunos podem ter acesso ao livro a partir dos conteúdos paradidáticos.

O que você achou do filme “Araguaia - A Conspiração do Silêncio”?

Discuto muito com o Duque (Ronaldo Duque, diretor do filme) sobre isso, porque não é a guerrilha que está ali. Ele me disse que ela é apenas um mote, é uma ficção, e quanto a isso tudo bem. O filme é muito bonito, bem filmado, julgo uma excelente produção, mas se a intenção dele fosse mostrar a realidade, a gente iria se confrontar. Primeiro porque o Rio Araguaia não aparece. Segundo porque mostra a visão da Criméia, guerrilheira que saiu em junho de 1972 porque estava grávida, e do Michéas, que fugiu em 1974. Outro erro é pegar frases que ficaram famosas na boca de um guerrilheiro, e que no filme aparecem ditas por outros. Mas olho como obra de arte. Com certeza se fosse um filme do Walter Salles seria bem mais água com açúcar.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Guerrilha do Araguaia: os arquivos militares secretos finalmente revelados - Luiz Fernando Emediato

As Forças Armadas sempre afirmaram que os arquivos da Guerrilha do Araguaia, comandada pelo Partido Comunista do Brasil – PCdoB, nos anos 70, não existem e que, se existiram algum dia, foram destruídos. Não é verdade. A partir de documentos secretos recolhidos pela pesquisadora Taís Morais, ao longo de sete anos, junto a militares – que os guardaram por cerca de 30 anos – ela própria e o jornalista Eumano Silva escreveram o livro “Operação Araguaia – os arquivos secretos da guerrilha”, que foi lançado oficialmente dia 13 de abril, em Brasília, com a presença surpreendente da ex-guerrilheira Regilena Carvalho (cujo companheiro, Jaime Petit da Silva, morreu em combate, assim como os dois irmãos dele, Lucio e Maria Lúcia), Luzia Reis, também ex combatente do PCdoB e do ex-militar Nélio da Mata Rezende, comandante da primeira expedição de informação, realizada pela 8ª Região Militar, no Araguaia. Numa das missões de Nélio, houve a primeira baixa dos militares na guerrilha – o cabo Odílio da Cruz Rosa, fuzilado pelos guerrilheiros.

O livro (Geração Editorial, 656 páginas, R$ 59,00), segundo o editor Luiz Fernando Emediato – que apoiou o projeto de coletar entrevistas e depoimentos de ex-guerrilheiros sobreviventes, parentes e militares, num trabalho que durou quase três anos – é “um magistral esforço de pesquisa e jornalismo investigativo entre civis e militares”. Ele completa, agora com registros oficiais, lacunas que as investigações jornalísticas do passado deixaram em branco”. O editor decidiu colocar todos os documentos, na íntegra, no site da editora, na Internet (www.geracaobooks.com.br), para que possam ser consultados por qualquer pessoa. Isso acontecerá no final do mês de abril e para ter acesso, os internautas precisão se cadastrar e usar uma senha, impressa na orelha do livro.

As principais revelações: estratégias de operações planejadas pelas Forças Armadas, os nomes de seus comandantes, relatórios sobre os resultados, relação de mortos e feridos dos militares, depoimentos de guerrilheiros presos, a confirmação de que foi usado o desfolhante “napalm” na floresta amazônica (o mesmo usado pelos americanos no Vietnã), revelações sobre traições feitas por militantes do PCdoB, e documentos deste partido revelando conflitos internos sobre a continuidade da guerrilha e a insistência de seus comandantes para não interromperem a luta armada contra a ditadura, mesmo com praticamente todos os guerrilheiros mortos. O comandante militar do PCdoB, Angelo Arroyo, queria recrutar mais jovens, nas universidades, para continuar a guerra. Foi fuzilado antes de conseguir isso.

“Operação Araguaia” revela segredos guardados por mais de três décadas: nomes de militares mortos e feridos na guerra, fotografias inéditas feitas por militares que combateram na região – na maior movimentação de tropas brasileiras desde a II Guerra Mundial – e 14 depoimentos de camponeses e guerrilheiros (dois deles do atual presidente do PT e ex-militante do PCdoB, José Genoino Neto).

O livro revela, além de uma enorme quantidade de documentos do PCdoB apreendidos pelos militares, a forma – só agora revelada – de como a repressão tomou conhecimento da reunião do Comitê Central do partido no bairro da Lapa, em São Paulo, quando foram presos os principais dirigentes e fuzilados dois deles, Pedro Pomar e Angelo Arroyo. Eles foram traídos por um membro do próprio Comitê Central, que os denunciou para os militares e continua vivo, em algum lugar do Brasil. Só agora o nome dele – Manoel Jover Telles – é revelado.

QUASE UM ROMANCE

– Este livro – prossegue o editor – pode ser lido como um romance terrível, trágico, pois ele conta uma história sangrenta, uma verdadeira chaga na história do Brasil, tanto pela ingenuidade e ousadia dos guerrilheiros, que acreditavam ser possível uma revolução popular a partir da selva amazônica (como Che Guevara tentou no Congo e na Bolívia) quanto pela violência da repressão militar. O PCdoB mandou para a selva gente, a maioria jovens, despreparada e armada com mosquetões e revólveres velhos.

Eram menos de 100 e não tinham o que fazer diante das metralhadoras, helicópteros e até aviões dos militares, que eram mais de 7 mil. Foi um massacre.
– Serei para sempre grato a todos que colaboraram na execução deste trabalho – afirma o jornalista Eumano Silva, que em 2003 ganhou um Prêmio Esso de Jornalismo por suas reportagens, no Correio Braziliense, feitas com base nos documentos obtidos por Taís Morais. – Em graus diferentes, mais de uma centena de pessoas se dispôs a contribuir com a reconstituição da história da Guerrilha do Araguaia. Ex-guerrilheiros, militares da ativa e da reserva, moradores do Araguaia e familiares dos envolvidos nos combates aceitaram remexer em feridas de mais de três décadas em nome da relevância histórica do episódio.
Para Taís Morais – que é filha de um oficial das Forças Armadas – o trabalho de pesquisa e contato com os entrevistados, desde militares radicais até integrantes do PCdoB lhe permitiram ver que “sempre há uma linha tênue que separa duas visões, mas que torna possível uma análise sem comprometimento sobre o assunto”. Na visão da pesquisadora, “não é possível apagar o passado e reconstruir parte desta história é uma imensa gratidão e um passo inicial para que novos registros venham a público. Esse fato não pode ser escamoteado e manipulado por poucos que não desejam esclarecer aquele episódio”.

Muitos dos entrevistados – como guerrilheiros sobreviventes e parentes de guerrilheiros mortos – desconfiaram, inicialmente, das intenções dos autores, mas pouco a pouco foram cedendo, as revelações surgiram. Militares se recusaram a falar do assunto – alguns chegaram a ameaçar Taís, mas outros, encorajados, não só aceitaram falar, como entregaram para ela documentos e fotos guardados por três décadas.

O resultado foi um livro corajoso e isento: ele não toma partido nem mesmo quando relata as torturas brutais que vitimaram não só guerrilheiros como também moradores inocentes.Ou quando revela justiçamentos feitos pelos guerrilheiros, que fuzilaram moradores da região acusados de colaboração com os militares. O leitor deverá julgar, ele próprio, a selvageria brutalmente explícita pela frieza documental do relato.


A CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO

A Guerrilha do Araguaia é um tabu entre os militares. Os poucos que comentam o assunto – diz um deles – o fazem baixinho. No início dos anos 70 – quando o foco guerrilheiro foi descoberto pelas Forças Armadas e começou o trabalho de repressão – a imprensa estava sob censura e não pôde noticiar o confronto, salvo uma única reportagem, em 1972, do jornal O Estado de S. Paulo.

“Operação Araguaia” é uma espécie de quebra-cabeça rigorosamente montado. A partir dos fatos revelados nos documentos oficiais – a maior parte deles assinados por generais e oficiais, que no futuro se tornaram conhecidos na ditadura militar – os autores remontaram a história. Consideram também as revelações contidas em outras obras e investigações do passado. Os dois anos de coleta de entrevistas e depoimentos com os sobreviventes e parentes, civis e militares, fizeram com que as peças se encaixassem e a história pudesse ser contada de forma mais completa.

O livro começa nos anos 60, com os primeiros sinais da instalação de esquerdistas na Amazônia, registra a passagem de militantes do PCdoB pela China, reconstitui o cenário da época e relembra o Brasil de conflitos internos desde a tentativa de se criar uma espécie de república na região de Trombas e Formoso, no Bico do Papagaio, região entre Tocantins, Maranhão e Pará.

Os documentos secretos revelados agora pelo livro de Taís Morais e Eumano Silva mostram que, derrotada a guerrilha em 1974 e desestruturado o PCdoB, em 1976, ainda em 1985 os militares insistiam em identificar o partido como uma organização perigosa. Informações similares circularam pelo governo até 1992, governo Collor, data do último documento militar obtido por Taís Morais.
Os documentos são assinados por oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, pelos serviços de informações das três armas, principalmente pelo Centro de Informação do Exercíto - CIE, Polícia Federal, Serviço Nacional de Informação – SNI e pelos gabinetes dos ministros militares. A maioria tem os carimbos de Confidencial, Reservado e Secreto, dependendo do teor. Alguns não têm carimbo algum, mas têm assinatura. Várias das fotografias são originais coloridas. Muitos dos documentos possuem anotações escritas à mão.

– O maior mistério das Forças Armadas já não é segredo – conclui o editor da Geração Editorial, Luiz Fernando Emediato. – Cabe ao governo exigir que o restante dos documentos, se existirem, seja colocado à disposição da sociedade, e que possam ser identificados os restos mortais dos combatentes já resgatados em Xambioá, para lhes dar sepultura digna.

O resto é história, contada agora da forma como convém: por aqueles que têm como único compromisso a verdade – seja ela qual for.