sexta-feira, 30 de maio de 2008

Entrevista com Taís Morais em "O Liberal" - PA


Por que você teve a idéia de fazer uma pesquisa sobre este assunto?

Por causa do mistério. Não se falava nada sobre o caso, não se sabia nada, e por crescer em meio de militares eu não entendia porque não se falava disso.
Ser filha de pai militar foi benéfico ou prejudicial para a coleta de informações?

Comecei indo atrás dos documentos que a Márcia Bandeira, filha do General Bandeira, entregou para a jornal O Globo. Se ela pôde ter acesso, eu também poderia ver. A partir daí eles foram abrindo. Não adianta: você conhece uma fonte, que conhece outra, que te indica para outra. Se você não conhece alguém que ligue e te indique para outra fonte te receber, não adianta, ninguém te recebe. Acho que até esperavam que eu fosse panfletária para o lado deles, mas não puxei o saco de nenhum dos lados, até porque cada um quer fazer o seu marketing, mas os militares pouco falam sobre o livro, não houve nem retaliação. A minha principal fonte, quando me entregou a pasta do General Bandeiara, disse “leia, tire suas conclusões e depois me procure para a gente conversar”. Me senti bastante livre, e por isso o cerne do livro está nos documentos, não estou especulando nada. Muita gente de esquerda me criticou por ter usado como base documentos de militares, mas esses são os documentos que existem sobre essa história.

Entre esses documentos, o que mais impressionou você?

Sem dúvida, o último relatório de 1974, com informações sobre a Operação Marajoara, afirmando tudo o que é bárbaro nesta história: afirma que a guerrilha estava neutralizada, que não tinha armas suficientes e que, mesmo enfraquecidos, eles foram massacrados. O relatório data de janeiro de 1974, mas a guerrilha ainda vai até janeiro de 1975.

Você também abre espaço para falar sobre os jovens militares que acabaram morrendo na guerrilha ...

Apurei três histórias de militares - mas só entraram duas no livro - que eram parecidas. Nos três casos fala-se de corpos que chegaram em casa e que a família teve como informação apenas que eles morreram em serviço. As Forças Armadas não ajudaram essas famílias de jovens mortos, muitas não sabem nem que eles morreram no Araguaia. Algumas conseguiram, por meio da Justiça Civil, receber pelo menos o soldo para criar os filhos desses soldados mortos. Mas a família do Cabo Rosa (primeiro militar morto por guerrilheiros), por exemplo, nunca recebeu nada. As famílias de guerrilheiros mortos já receberam indenização. Não entendo a omissão do Estado com seu próprio contingente que morre “a serviço da pátria”.

E quanto à tão esperada abertura dos arquivos militares? Podem surgir daí mais informações ainda desconhecidas neste quebra-cabeças?

Documento sobre o caso não há mais, porque os documentos são de militares e estão todos no livro. Essa história de arquivo é mito, não vai se descobrir coisa ruim nele. Vou explicar: nunca vi documentos escritos que revelam “torturamos a vítima a noite inteira”, “batemos nele até a morte”, etc. Os documentos são para relatar ações de forma mais ampla.

Mas se os personagens ainda estão vivos, porque não se chega a uma versão definitiva dessa história?

Acredito que tenha havido mesmo uma conspiração do silêncio de ambas as partes. Primeiro porque, mesmo se a partir de ordens ou não, os militares não vão admitir que mataram os guerrilheiros. Mas hoje também acredito no silêncio da esquerda. Senão, por que os oito corpos que foram encontrados em Xambioá continuam sem identificação por parte do PC do B? Por que ninguém vai lá fazer o reconhecimento de fato? Há silêncio de ambos os lados. Os únicos que falam mesmo são os camponeses, que foram envolvidos sem saber do que se falava. Não sabiam o que era comunismo, subversão, guerrilha - e em muitos casos foram torturados para revelar quem eram os guerrilheiros, que para eles eram apenas o barqueiro, o dentista... Por que nenhuma família de camponês ou militar morto foi indenizada? Qual é o critério que dita que só os guerrilheiros merecem isso? Por que o Sebastião Curió (na época capitão do Exército e símbolo da repressão contra o movimento armado do PC do B) continua administrando a Serra Pelada, conseguiu construir uma cidade com seu nome (Curionópolis) e de onde se elegeu prefeito três vezes? Há alguns anos ele matou dois adolescentes em Brasília, mas nunca foi condenado por isso, e o Estado sabe de tudo o que ele faz: sabe que tem uma rede de pistoleiros e que comanda grupos de madereiros que acabam com a floresta. Por que o Estado e as Forças Armadas continuam fazendo vista grossa aos seus desmandos?

Em recente entrevista a O LIBERAL, Curió disse que Serra Pelada foi uma ação do governo militar contra uma ação terrorista da esquerda clerical, estratégia para organizar o povo sob o comando do Estado, e esvaziando qualquer tentativa de que outro movimento de esquerda pudesse voltar para a região. Você concorda?

Não, porque enquanto a guerrilha existiu ali, em 1970, 72, 74, a Serra Pelada foi construída na década de 80, quando já havia uma maior flexibilidade no sistema político e a esquerda estava impossibilitada de organizar qualquer movimento armado. Acho que foram outros interesses que motivaram isso, até porque tem camponês que não quis saber de ouro. Eles queriam saber de peixe, de terra para plantar e colher, de ter farinha na hora da refeição. Para eles, isso bastava. E você conhece algum garimpeiro que ficou efetivamente rico? Gostaria de saber por que aquela figura (Curió) foi parar lá. Há relatos de que saíam do garimpo caixas e caixas de ouro para a presidência da República, mas onde está a benfeitoria que esse ouro trouxe ao país?

Na sua análise, porque a guerrilha não conseguiu alcançar seus objetivos?

Acho que eles não estavam preparados. Para se ter uma idéia, quando a guerrilha estava estourando, ainda havia gente chegando. É engraçadíssimo o depoimento do Dagoberto, que chegou com o Chicão na região exatamente no dia que começou a guerrilha, em 1972. Ele diz que nunca tinha atirado. No momento em que o movimento é descoberto, o Exército tomou um pau.

Quando os guerrilheiros sentiram que tiveram uma trégua, se sentiram vitoriosos, com a guerra ganha. Ao invés de ir para uma área de refúgio, como é normal nesses casos, ficaram no mesmo lugar e deixaram o caminho livre para serem pegos. Sem contar que um grupo propôs essa retirada, mas outro decidiu ficar, e essa divergência de comando também desmobiliza.

Você teve informações sobre onde estão os corpos desaparecidos?

Isso é uma incógnita, mas há uma coisa que os militares falam que é real: se alguém morre em combate, não recolho porque senão viro alvo. Vou levar o meu amigo, mas não levo um corpo de inimigo, abandono lá. Isso pode ter mesmo acontecido. Outros que foram fuzilados na base estão em cemitérios com certeza, tanto que cinco já foram apontados por colonos no cemitério de Xambioá e outros foram encontrados na reserva Suruí-Sororó. Não tem porque discordar da população, que aponta mesmo onde viu os corpos sendo enterrados.

Com o livro você pretende que a Guerrilha do Araguaia seja mais conhecida pelo resto do país? Muitos têm a impressão de que esse assunto só é profundamente conhecido por quem fez parte dele ou para quem vive na região Norte, porque o resto do Brasil parece ignorá-lo.

Essa foi uma história mantida em silêncio. Poucos sabem que morreram aqui pessoas do Brasil todo, inclusive entre os militares. O livro foi feito com essa intenção, porque as pessoas precisam conhecer essa história. O jovem de hoje não sabe nada sobre a Guerrilha do Araguaia, pode perguntar para qualquer um. Soldados entram e saem do Exército sem saber. Os livros de hitória oficial utilizados nas escolas tratam superficialmente das guerrilhas urbanas, mas nada do Araguaia. Estou planejando propor às secretarias de educação dos três Estados mais envolvidos, Maranhão, Tocantins e Pará, para ver se os alunos podem ter acesso ao livro a partir dos conteúdos paradidáticos.

O que você achou do filme “Araguaia - A Conspiração do Silêncio”?

Discuto muito com o Duque (Ronaldo Duque, diretor do filme) sobre isso, porque não é a guerrilha que está ali. Ele me disse que ela é apenas um mote, é uma ficção, e quanto a isso tudo bem. O filme é muito bonito, bem filmado, julgo uma excelente produção, mas se a intenção dele fosse mostrar a realidade, a gente iria se confrontar. Primeiro porque o Rio Araguaia não aparece. Segundo porque mostra a visão da Criméia, guerrilheira que saiu em junho de 1972 porque estava grávida, e do Michéas, que fugiu em 1974. Outro erro é pegar frases que ficaram famosas na boca de um guerrilheiro, e que no filme aparecem ditas por outros. Mas olho como obra de arte. Com certeza se fosse um filme do Walter Salles seria bem mais água com açúcar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Então agradável este site parece muito desenvolvido.........bom trabalho :)
Muito Bonito Continua assim !!